Vocalista da banda que se apresentava na tragédia da boate Kiss, pede perdão as famílias

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Foto: Reprodução

O processo sobre a tragédia na boate Kiss, que deixou 242 pessoas mortas e mais de 600 feridas, no dia 27 de janeiro de 2013, chegou na fase mais esperada: o depoimento dos réus acusados de homicídio. Quase dois anos e 10 meses depois da tragédia, Marcelo de Jesus dos Santos, cantor da banda Gurizada Fandangueira, falou na Justiça de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e pediu perdão.

“Vejo a dor de todo mundo aqui e gostaria de pedir perdão, se eu fiz alguma coisa errada. Nunca imaginei que poderia acontecer isso na minha vida. É difícil de falar. Tinha pessoas que a gente ama lá dentro. Se tinha que falar alguma coisa, é pedir perdão”, disse Marcelo durante o depoimento dsta terça-feira (24).

A banda se apresentava na boate quando o vocalista usou um artefato pirotécnico, que causou o incêndio. As chamas se alastram pelo forro da casa noturna e espalharam uma fumaça tóxica no ambiente.

O vocalista, o funcionário da banda Luciano Bonilha Leão e os sócios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, são acusados de homicídio e tentativas de homicídio com dolo eventual. Eles chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas desde o fim de maio de 2013 respondem ao processo em liberdade.

Questionamentos
Marcelo concordou em responder as perguntos do juiz Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo caso, e da acusação. Em um dos questionamentos, Louzada observou que a ideia do uso do artefato durante as apresentações da banda foi do gaiteiro Danilo Jacques, que morreu durante a tragédia.

“Começou com o Danilo, e o sogro dele fazia isso, bem antes da tragédia. Umas vezes a gente fazia, outras vezes não fazia. Não era aquela coisa corriqueira”, explicou o vocalista, acrescentando que a banda começou a usar fogos de artifício em 2009.

O juiz perguntou se alguma vez ele observou as instruções do produto para uso do artefato – ele negou. Marcelo disse ainda que o sócio da boate, Elissandro Spohr, mais conhecido como Kiko, tinha conhecimento do uso do material dentro da casa noturna. “Kiko nunca falava nada do uso do material”.
O vocalista falou também sobre o momento que percebeu o incêndio. “Ele me tocou com a baqueta e olhei para ele e perguntei ‘o que houve?’. Olhei para cima e vi chama no forro”. Em seguida, ele afirmou que olhou para os lados e começou a gritar: “fogo, fogo, fogo, sai, sai”.

Em depoimento, Marcelo contou que um homem deu a ele um extintor de incêndio, que não funcionou. Ele disse que viu alguém jogar água nas chamas, para tentar controlar o fogo, mas também não teve sucesso.

Conforme o depoimento do vocalista, ele olhou para pista de dança e constatou que “não tinha mais ninguém, todos correram para a porta”. Marcelo explicou que foi neste momento que tentou sair da casa noturna. No caminho para a porta, passou mal e desmaiou, no canto do palco.

“Conseguiu ver a porta?”, perguntou o juiz. “Não tinha visão perfeita, já estava baixando fumaça, não sei o que acontece com essa fumaça. Quando descia do palco, senti perder a respiração”, respondeu.

Pedido de perdão
Em um dos momentos mais marcantes e emocionantes do interrogatório, Marcelo relatou que, quase três anos depois da tragédia, ainda tem dificuldades para falar sobre o que aconteceu e pediu perdão.

Emocionados, alguns familiares de vítimas que acompanhavam o depoimento começam a chorar. “É difícil estar sentado onde estou, minha vida mudou, mudou muito”, lamentou.

Marcelo disse ainda que não pretende mais trabalhar com música. “Devido aos fatos que aconteceram, minha família foi sempre contra de tocar. O destino mostrou que eles estavam certo”, declarou.

Justiça Militar condena dois e absolve seis bombeiros
Dois bombeiros foram condenados pela Justiça Militar de Santa Maria por concederem declaração falsa no caso do incêndio da boate Kiss. A sentença foi anunciada por volta das 14h30 do dia 3 de junho, logo após votação dos cinco juízes. Outros seis bombeiros foram absolvidos.

O tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs e o capitão Alex da Rocha Camilo foram condenados a um ano de prisão cada pela assinatura e emissão do segundo alvará da boate; eles ainda podem recorrer da pena.

Fuchs foi condenado ainda por prevaricação (quando um funcionário público comete crime na função), mas a pena foi suspensa e ele terá de cumprir medidas que ainda não foram detalhadas.

Foram absolvidos por unanimidade, os três soldados Gilson Martins Dias, Marcos Vinicius Lopes Bastide e Vagner Guimarães Coelho; o sargento Renan Severo Berleze; e o 1º tenente da reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades.

Eles eram acusados de negligência por não terem indicado que a boate precisava de uma central de gás durante as inspeções que fizeram na casa noturna em 2011. O tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, que comandava a Seção de Prevenção a Incêndio (SPI), também foi absolvido por falsidade ideológica.

“Quero ressaltar a lealdade com que foi conduzido esse processo. Estamos talvez diante do processo mais difícil que a Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já tenha passado”, disse a juíza Viviane de Freitas Pereira, uma das cinco a participar do julgamento, antes de dar a sentença. (Correio)