UE reavalia livre circulação de pessoas, Ministro francês admite ter perdido tempo na luta antiterror

20150829170201394rts

Sob enorme pressão diante da ameaça de novos ataques terroristas, após a carnificina em Paris, a União Europeia (UE) decidiu apertar os controles de passaportes — nacionais, inclusive — em suas fronteiras com o resto do mundo e admitiu rever o Tratado de Schengen até o fim do ano. O acordo permite que os cidadãos dos 26 países europeus que o assinaram circulem livremente, como se não houvesse fronteiras entre eles. Ainda não está certo em que medida as regras serão alteradas ou se haverá mudanças definitivas.

O fato é que 30 anos após a criação do tratado que, para consolidar a união da Europa, acabou com as fronteiras entre essas nações, o bloco se vê no dilema de fechar os canais de circulação entre terroristas ou preservar um dos seus princípios fundamentais: a livre circulação de pessoas.

Agora, além da identidade dos que cruzam as divisas, as informações sobre cada pessoa serão consultadas numa base de dados europeia comum. A UE deve aprovar em breve a criação do registro de nomes de passageiros aéreos, o PNR europeu (na sigla em inglês). A medida vinha sendo discutida desde 2011, defendida fervorosamente pelos britânicos, mas era bloqueada pelo Parlamento Europeu, que queria preservar a privacidade dos seus cidadãos.

O entendimento dos ministros do Interior e da Justiça, que se trancaram durante algumas horas na sede da UE, em Bruxelas, ontem, é de que o bloco “já perdeu muito tempo” e precisa agir depressa com medidas antiterrorismo urgentes. Em princípio, todos tiveram o cuidado de reafirmar que seriam controles mais rigorosos para fora da área de Schengen, para que a liberdade dentro dela fosse preservada no longo prazo. Mas não se descarta de todo a suspensão temporária do tratado, com o restabelecimento do controle de fronteira para alguns casos.

— Nós desejamos que a Europa, que já perdeu muito tempo sobre um certo número de questões que exigem urgência, tome as decisões que se impõem — sustentou o ministro do Interior da França, Bernard Cazeneuve. — Terroristas estão cruzando as fronteiras da União Europeia.

‘Europeização’ de controles

Para o professor do Instituto de Europa da London School of Economics (LSE), Iain Begg, a UE tem um grande desafio pela frente. Mesmo assim, acredita que, como a livre circulação é um elemento crucial para a construção do bloco, será importante “separar as medidas imediatas de gerenciamento da crise — que poderiam justificar a suspensão temporária de Schengen — dos compromissos de longo prazo e da manutenção da liberdade fundamental que eles preveem”.

Dependendo da calibragem adotada, pode ser que, daqui por diante, a Europa venha a se unir ainda mais num futuro próximo, caso a segurança das fronteiras passe a ser coordenada em conjunto e não apenas em caráter nacional. Begg vê uma aproximação a partir de uma ação conjunta da UE a partir da “europeização” dos controles. Ou seja, haveria um compartilhamento maior do peso da responsabilidade de proteger as fronteiras externas, hoje muito mais a cargo dos países onde elas se mantêm.

Na mesma linha, está em discussão a possibilidade de se criar um espécie de FBI europeu. Mas esta é uma ideia com a qual, segundo ele, não deve se contar no curto prazo.

— É cada vez maior a demanda por um serviço de Inteligência compartilhado sobre terrorismo, o que deve também aumentar a demanda por mais coordenação entre as agências de terrorismo nacionais.

Para o especialista em Europa da Universidade de Glasgow, Thomas Lundberg, os eventos recentes devem mudar a UE, mas é difícil que o bloco abra mão dos seus princípios mais básicos.

— Estamos falando do fim temporário das fronteiras e menos mudanças mais definitivas ou restritivas ao tratado.

A ideia de rever o tratado já vinha sendo ventilada dentro do bloco desde o recrudescimento da crise de refugiados. Mas sempre houve uma resistência muito grande em fechar os canais que permitiam a livre circulação, um dos maiores obstáculos nas negociações. E além de político, o desafio é também técnico. A maioria dos países não tem a tecnologia para comparar os dados dos passageiros com bases policiais de maneira rápida e eficaz.

Nos últimos dias, o governo da Holanda teria chegado a propor informalmente a ideia de uma espécie de mini-Schengen, ou a fronteira dentro da fronteira, para delimitar uma zona que incluiria Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha e Áustria. A livre circulação também é um dos temas mais delicados nas negociações entre a UE e o Reino Unido, que ameaça deixar o bloco. O país não está na área de Schengen e faz o controle das próprias fronteiras para fora da Europa. Mas é obrigado a aceitar visitantes e trabalhadores europeus sem quaisquer restrições. Para coibir a entrada de dezenas de milhares de imigrantes de dentro da própria Europa no país, os britânicos defendem restrições ao trânsito entre os nacionais.

Outra das propostas discutidas passa pelo reforço da capacidade de ação da Frontex, a agência europeia responsável pelo controle das fronteiras.

Na Rússia, parlamentares discutiram ontem a adoção de penas mais severas para delitos ligados ao terrorismo, além da introdução de uma série de medidas de segurança — dentre elas a pena de morte para terroristas. A iniciativa acontece dias depois da confirmação de que uma bomba derrubou um avião russo que sobrevoava o território egípcio, causando a morte de 224 pessoas a bordo, no mês passado. O país também aumentou para 69 o número de aviões nas operações na Síria. Mais de 600 rebeldes foram mortos na província de Deir ez-Zor, segundo o Kremlin. (O Globo)