Ao entrar em contato com água ou suor o produto escorre para os olhos e causa queimaduras na córnea
O número de pessoas que tiveram intoxicação nos olhos por conta do uso de pomadas modeladoras de cabelo cresceu 121% na Bahia. Em todo o ano passado foram 19 casos. Este ano, apenas em janeiro, foram 42 ocorrências. Os sintomas mais comuns são vermelhidão, ardência, irritação, lacrimejamento, reações alérgicas e cegueira temporária. O problema atinge diversas marcas. Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cancelou os registros de 1.266 produtos.
A recomendação é verificar a lista de produtos autorizados no site da Agência ante de usar. A trancista Janaína Silva, 29 anos, abriu mão de duas marcas de pomadas modeladoras depois que clientes reclamaram do produto. Inicialmente, a medida foi preventiva, mas se tornou obrigatória depois que que ela viu a notícia na imprensa.
“Em duas semanas recebi três clientes que usaram pomadas modeladoras com outras trancistas ou em casa e que tiveram irritação nos olhos. Na mesma época, final do ano passado, vi uma reportagem falando que as pomadas estavam causando queimadura nos olhos. Tinha duas marcas que eu costumava usar. Parei de comprar”, afirmou.
Já a estudante Juliana Conceição, 22, parou de usar o produto depois que sentiu ardência nos olhos. “Foi na hora do banho. Eu fiz o penteado em um dia e no dia seguinte, quando lavei a cabeça, senti muita ardência. Usei bastante água para lavar os olhos, que ficaram muito vermelhos. Eu tinha colírio lubrificante em casa, porque uso óculos, e usei até consegui passar pelo médico”, contou.
Na Bahia, 81% das vítimas este ano foram do sexo feminino e metade tem de 10 a 29 anos. Segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), Salvador foi o município que mais teve notificações (59,5%). Houve casos também em Juazeiro, Itapicuru, Barra do Choça, Poções e Porto Seguro. O diretor do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Bahia (CIATox-BA), Jucelino Neri, explica que é preciso redobrar a atenção na hora de escolher o produto.
“No início do ano passado, no período carnavalesco, a Anvisa percebeu aumento no número de casos e emitiu uma resolução suspendendo alguns produtos que estavam irregulares. Ela adotou novas normas e continuou monitorando os produtos. A última suspensão no dia 9 deste mês, suspendendo 109 produtos que são usados para modelar cabelos por conta desses problemas”, explicou.
No Rio de Janeiro, foram cerca de 100 casos no Natal. O médico oftalmologista e professor de medicina da Unifacs, Marco Polo Ribeiro, trabalha na emergência oftalmológica de um hospital em Salvador e contou que em épocas festivas, como Réveillon e Carnaval, o número de casos aumenta por conta dos penteados para festa. Ele explicou o que acontece quando a pomada entra em contato com os olhos.
“O que faz mal ao olho é um componente da fórmula da pomada, um conservante que é derivado de um tipo de álcool. Ele causa uma abrasão da córnea, machuca toda a córnea da pessoa. A camada superficial cai e deixa o olhos exposto. Ele arde, dói e coça. A pessoa fica com a visão borrada”, explicou.
O oftalmologista disse que a primeira medida deve ser lavar bastante o olho, com água corrente, para retirar a substância e, em seguida, buscar um médico para verificar a extensão do dano. “Existe o risco de infecção, que pode virar uma úlcera de córnea e eventualmente levar a perda da visão, por isso, é importante procurar um especialista para fazer o tratamento adequado”, afirmou.
Quem usa os cabelos trançados explica que os penteados têm mais que uma função estética, eles são a afirmação de um identidade. A social média Alice Santana, 33 anos, trança os cabelos dela e dos amigos há muitos anos e contou que evita o uso das pomadas. Ela aprendeu o ofício com a mãe, quando o uso de produtos para fazer os peteados ainda não era comum, e manteve a mesma prática.
“Não uso nem água, porque quebra o cabelo no momento de fazer as tranças, além de possibilitar o surgimento de fungos. Não uso nada, só peço para a pessoa vir com cabelos limpos e pouco creme para a trança não escorregar. Quando faço no meu cabelo, uso gelatina, porque ajuda na separação dos fios. É uma alternativa para as pomadas”, sugeriu.
No ano passado, Anvisa interditou cautelarmente todas as pomadas para trançar, modelar ou fixar cabelos. Fez uma análise dos produtos e liberou aqueles que não apresentaram problemas. Em setembro, uma nova norma proibiu que as fórmulas químicas das pomadas tenham concentração igual ou superior a 20% de álcoois etoxilados. E em dezembro, cancelou 1.266 registros por descumprirem a regra.