O empresário Roberto**, 31, sem experiência na bolsa de valores, guardou suas economias e decidiu, pela primeira vez, investir. O que não esperava era que não ia mais ver aquele dinheiro. Ele, assim como outras 150 pessoas de Jequié, cidade do centro sul da Bahia, foram vítimas de um esquema de pirâmide, tipificado como crime no Brasil desde 1951. Pelo menos 40 delas já abriram boletim de ocorrência na delegacia da cidade.
O suposto golpista é o estudante de medicina Henrique Sepúlveda, que depôs na 9ª Coorpin de Jequié, na tarde desta quarta-feira (1). Ao longo de dois anos, o estudante acumulou quase R$ 7 milhões, com investimentos de terceiros e a promessa de lucros de até 20% por mês, sem prejuízos no final do contrato, de duração mínima de 90 dias. A empresa que intermediava as transações está no nome dele, ativa desde 2020, a Safe Intermediações.
O empresário Roberto tomou coragem para investir depois de ver amigos terem altos rendimentos mensais. Para conseguir uma renda extra, ele aplicou R$ 60 mil, entre janeiro e agosto de 2021, com a promessa de que o retorno seria de 5% ao mês. Só que esses rendimentos começaram a atrasar e, de repente, o estudante parou de responder e sumiu.
“Ele era amigo de amigos próximos meus, chegamos a viajar e almoçar juntos, íamos para barzinhos e ele era estudante de medicina, faltando dois meses para se formar. Então construí uma confiança com ele e ele realmente passava os rendimentos, todo mês. Às vezes atrasava, mas nunca sonhei com uma bomba dessa. Parece coisa de filme. Perdi meu dinheiro, fruto de meu trabalho, de suor, coisa que demorou bastante para conquistar”, desabafa o empresário.
A desconfiança começou quando Henrique Sepúlveda começou a pedir dinheiro emprestado para amigos. “Ele não fazia isso, mas começou a interceptar pessoas. Antes, era algo bem restrito, com pessoas e amigos próximos, e ele também começou a aceitar qualquer valor”, conta Roberto. Agora, ele só que o dinheiro de volta. Uma pessoa de Salvador, chegou a investir R$ 1,3 milhão, com rendimento de 5% por mês (R$ 65 mil), também ficou sem o capital.
Vida de luxo
Outro empresário que caiu no golpe afirma que Henrique levava uma vida de luxo. “Ele era bem relacionado na cidade, vivia ostentando, luxando, em festas, pagava todos os combos de bebida, tinha carro importado e, de uns tempos para cá, foi quebrando e as pessoas forma desconfiando. Quando solicitei o saque, ele não gostou. Passou uns dois meses me enrolando e, depois, abriu o jogo, dizendo que tinha quebrado”, narra.
Ele tinha aplicado R$ 500 mil e o rendimento seria de 2% ao mês – o equivalente a R$ 10 mil. “Nunca tinha investido, nem em ações, porque não tenho tempo para estudar. Também não era ganância, porque o rendimento que ele prometeu não extrapola. Só quero justiça e, pelo menos, meu dinheiro de volta, porque foi muito suado, sou um cara que trabalha desde cedo e não foi fácil juntar”, explica.le tinha aplicado R$ 500 mil e o rendimento seria de 2% ao mês – o equivalente a R$ 10 mil. “Nunca tinha investido, nem em ações, porque não tenho tempo para estudar. Também não era ganância, porque o rendimento que ele prometeu não extrapola. Só quero justiça e, pelo menos, meu dinheiro de volta, porque foi muito suado, sou um cara que trabalha desde cedo e não foi fácil juntar”, explica.
Uma terceira vítima, que falou também sob a condição de anonimato, disse que o lucro prometido a ele foi de até 20%. Ele aplicou mais de R$ 50 mil, com o objetivo de servir de poupança para o futuro. Assim como os outros, ele não esperava que fosse passar por isso. “Ele não tinha perfil de golpista. Acho que ele se perdeu, fez algum investimento errado e ficou pedindo dinheiro de outras pessoas para cobrir o rombo, só que foi mentira em cima de mentira e criou essa bola de neve”, relata.
O estudante de medicina poderá responder pelo crime de estelionato, que tem pena de até cinco anos de prisão. Pelo menos 30 vítimas se reuniram à frente da delegacia, par acompanhar o depoimento do estudante. Depois de quase sete horas no interrogatório, ele saiu da unidade ao som de vaias e xingamentos. Procurado, Henrique Sepúlveda não respondeu à matéria até o fechamento.
Como funciona e como identificar uma pirâmide?
O esquema de pirâmide é definido pela venda de um produto inexistente, segundo o especialista em investimentos da Arazul Capital, Tarcício Rodrigues. Além de ressaltar que pirâmide financeira é crime, ele esclarece que é muito improvável ganhar até 20% por mês com algum produto.
“Uma promessa de rentabilidade em algo que vá superar muito os índices comuns, como o CDI e a inflação, se torna inviável. Não é impossível ganhar 20% por mês, mas é preciso muita sorte e experiência. Se for no mercado de ações, é insustentável a longo prazo”, explica.
Isso ocorre porque os recursos financeiros são escassos, no sistema capitalista, e não há como todos enriquecerem na mesma proporção, ao mesmo tempo. “É matematicamente impossível e economicamente inviável todas as pessoas serem ricas, não tem como sustentar isso, porque os recursos são escassos. Além disso, o que difere ele dos profissionais de mercado, dos investidores da Faria Lima, em São Paulo, por exemplo?”, indaga Rodrigues.
Algumas maneiras de identificar uma possível pirâmide é observar quem oferece o serviço e se a aplicação está registrada em órgãos reguladores.
“Geralmente, essas pessoas andam de carrões e muito bem vestidos, então, é importante desconfiar dessa ostentação. Um segundo ponto é entender se aquele investimento está indexado em algum órgão regulador, como na Anbima, CVM ou alguma cédula de grande instituição. Além disso, é bom procurar saber quem é o administrador custodiante daquele investimento”, enumera o especialista.
Segundo a Polícia Civil, Henrique Sepúlveda assumiu que fazia as movimentações financeiras, mas que fez algumas operações ruins e perdeu todo o dinheiro, o que não estava nos planos. A polícia informou que ele pode ser punido por estelionato, crime contra ordem econômica e crime contra o sistema financeiro. O inquérito ainda não foi concluído. A namorada dele, Catiele Mota, deve ser ouvida nos próximos dias.
*Sob orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo
**O nome foi alterado a pedido da fonte
Fonte: Correio 24 horas