Por Marilene Oliveira
Em uma cidadezinha do Recôncavo Baiano havia, apenas, uma funerária para atender a demanda dos defuntos. Houve um período em que muita gente estava morrendo. Que horror! Quase toda semana morria pelo menos uma pessoa. Já acontecerem até três sepultamentos em um único dia. Para uma pequena cidade era um número estarrecedor.
Coitado do coveiro! Não tinha mais sossego. Se ausentar da cidade, só se fosse em pensamento! O seu trabalho tinha aumentado e muito. Era um subir e descer a ladeira de acesso ao cemitério. Pensou até em construir uma casinha ali mesmo, ao lado da mansão de todos nós. Às vezes, mal chagava em casa, alguém já estava batendo na sua porta, pedindo-lhe para ir cavar outra cova. Quando o solo estava úmido, ótimo para executar o serviço, mas quando demorava para chover, era um sufoco. E, assim, foi a sua rotina por muito tempo.
Como a lei da procura era superior à lei da oferta, nas suas poucas horas vagas, o coveiro já ia adiantando o serviço, cavando novas covas. As pessoas supersticiosas não estavam gostando nada disso, começaram a atribuir a razão de tantas mortes ao “agouro” do coveiro.
Se não bastasse, uma das paredes laterais do cemitério desmoronou e o local ficou aberto por um bom tempo. Muitos diziam que a porta estava aberta, chamando as pessoas. Esse fato rendeu muita conversa na pacata cidade.
As pessoas que participavam de todos os velórios, até mais gordas já estavam ficando, uma vez que os familiares enlutados serviam bolacha “poca zói”, pão, café, nem mesmo a “pinga” ficava fora desse cardápio. O que deveria ser luto, tristeza, sentimentos fúnebres, tornava-se em uma noite de lazer, bate papo e reencontro entre velhos amigos. Os donos dos botequins estavam desesperados, pois não contavam mais com os seus fieis clientes.
Era quase impossível encontrar uma flor na cidade. Os jardins não prosperavam mais. Só se viam as mulheres à procura de flores na vizinhança. Eram flores de todas as espécies: dálias, cravo de defunto, rosas vermelhas, rosas brancas e tudo que se assemelhasse com flores.
Bom para os donos de mercearias e mercadinhos, pois no dia de finados vendiam uma quantidade exorbitante de velas, dos mais variados tamanhos e marcas, nem mesmo as velas coloridas eram recusadas.
O prefeito municipal teve que dobrar o tamanho do cemitério. O pior, não demorou muito e quase todo o terreno já estava loteado e edificadas muitas casas eternas.
Vendo que o negócio era lucrativo, um morador dessa cidade, resolveu também apostar no seu sucesso empresarial. Tratou logo de abrir uma funerária. Lucro certo, movimento garantido. Tudo estava conspirando ao seu favor.
Em se tratando de funerária, sabe-se que não é um tipo de casa comercial aprazível. Ninguém gosta de frequentá-la. Dessa forma, o senhor X, procurou ser criativo na decoração da loja, adquiriu os mais variados modelos de caixões, para todos os gostos, digo, gosto dos vivos! Eu pude conferir de perto. Nunca tinha ido em uma funerária, mas quando um primo meu faleceu, fui até lá escolher um “envelope” para ele. Passei um bom tempo examinando os modelos, os detalhes e, por fim, escolhi um, por sinal, muito bonito, todo em madeira talhada. Acho que, se o meu primo tivesse vivo, iria amá-lo. Ah! Já ia esquecendo de um detalhe importante, nem foi muito caro. Era preciso economizar o “dindim” do finado, porquanto, tinha outras dívidas a serem pagas.
Uma pessoa da minha família, comerciante, moradora da cidadezinha e, também, prima do falecido foi até a funerária efetuar o pagamento do tal “envelope”. O empresário, contente com a “grana” que recebeu, disse:
– Qualquer coisa que a senhora precisar é só mandar alguém vier aqui. Estamos às suas ordens.
– Deus é mais! Quero distância desse lugar!
No meio desse caloroso diálogo, já na saída do estabelecimento comercial, ela “deu de cara” com o filho do dono da funerária e procurou saber como estava o movimento. Ele, como sempre, muito feliz, inconscientemente respondeu:
– Você nem imagina. Está um excelente movimento. Graças a Deus a gente tem vendido muitos caixões.
A minha parenta fez uma cara de espanto ao ouvir o que o jovem falou. Ele meio desapontado com a barbaridade que disse, tentou amenizar a situação.
– Desculpa, amiga, foi mal.
O filho da minha parenta arregalou os olhos e disse:
– Ah! Fio de uma mãe, tu parece que é doido!
Todos riram da conversa nada engraçada.
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