Denunciada por manter 11 profissionais de condições de trabalho análogas à escravidão, em abril de 2014, a empresa MSC Crociere foi condenada pela Justiça do Trabalho da 5ª Região, na Bahia, a repartir entre as vítimas o valor de R$ 330 mil, quantia referente ao julgamento por danos morais. A informação foi divulgada pela Defensoria Pública da União nesta quarta-feira (21) e a empresa pode recorrer da decisão.
Conforme o DPU, além dos danos morais, a empresa também foi condenada a pagar aos 11 funcionários valores relacionados a horas extras, adicional noturno, aviso prévio, férias proporcionais acrescidas de 1/3 e 13º salário proporcional.
Ainda integram a decisão da Justiça a indenização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), referente ao período trabalhado acrescido da multa de 40%, além da devolução de R$ 2,5 mil reais, que dizem respeito ao valor cobrado para a realização de cursos e exames pré-admissionais.
A ação coletiva que pediu a aplicação da legislação trabalhista brasileira foi ajuizada pela DPU na Bahia e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em maio do ano passado.
Conforme o DPU, após ser intimada para apresentação de defesa, a empresa MSC negou as denúncias de jornadas excessivas, bem como as de assédio moral e sexual. O órgão ainda indica que, em audiências realizadas em 2015, foram colhidos depoimentos de testemunhas, inclusive estrangeiras, e houve tentativas de conciliação, todas rejeitadas pela empresa, que entendeu como incabíveis os pedidos de conciliação.
O G1 não coseguiu contato com empresa MSC Crociere até a publicação desta reportagem.
Xingamentos, turnos de trabalho de até 22 horas e mulheres assediadas sexualmente. Casos como estes foram relatados pelos 11 profissionais resgatados do navio MSC Magnífica sob a suspeita de estarem atuando em condições análogas ao trabalho escravo. Alguns deles contaram que perderam 14 quilos e precisaram cozinhar macarrão instantâneo em luvas para conseguirem se alimentar.
Os tripulantes retirados da embarcação relataram as circunstâncias das viagens em depoimentos prestados na sede da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da Bahia (SRTE), localizada no bairro da Piedade, em Salvador, no dia 4 de abril de 2015.
Com ensino médio completo e inglês fluente, o cearense Elianai Vigon, de 24 anos, que embarcou no navio em dezembro de 2013, relatou que viveu três meses de exploração e humilhação trabalhando com ajudante de garçom. Com uma experiência profissional em um outro navio da mesma companhia, ele disse que foi surpreendido no cruzeiro por uma carga diária de trabalho superior a 11 horas, que destaca ser diferente do combinado por contrato.
“Percebi uma falta de padronização da companhia, já que a minha experiência anterior foi bem diferente. Começamos a fazer trabalhos extras não-remunerados e a exercer atividades que caracterizavam desvio de função, como lavar refeitório, restaurante, janelas e portas. Éramos obrigados a fazer, sob o risco de sofrer advertência. Com três [advertências], a pessoa é mandada para casa por justa causa”, relatou as pressões sofridas.
Vigon ainda contou que os profissionais que atuavam no navio precisavam pegar comida escondida nos restaurantes, já que “a comida do refeitório era ‘indegustável'”, relatou. Sob o medo de serem advertidos por causa do “roubo” da comida, o ajudante de garçom relata que a maioria dos colegas preferia comer macarrão instantâneo do que os alimentos que eram servidos para os funcionários. “Não tínhamos fogão, mas as torneiras do navio davam opção de água quente ou fria. Então, colocávamos [o macarrão] dentro de luvas e depois colocávamos as luvas dentro da água quente. Asssim fizemos várias vezes”, confessou.
Exploração
Em três meses de trabalho, sob uma jornada de até 22 horas em dias de desembarque, o cearense Anderson Matsuura, de 33 anos, diz que chegou a emagrecer 14 quilos. Atuando na embarcação como assistente de camareiro, ele conta que foi sofreu todo o tipo de pressão psicológica.
Inicialmente, Matsuura destaca que os funcionários eram obrigados a assinar folhas de ponto adulteradas, com carga horária definida pela própria empresa. “A companhia não pagava nada de hora extra. A gente também não podia descer [do navio] nas folgas. As pessoas tinham medo de denunciar, de reclamar. Muita gente adquiriu dívidas no Brasil para participar de treinamento e cursos específicos para atuar no navio”, narrou.
Além de denunciar a carga horária exaustiva, Anderson Matsuura destaca que a própria mulher, que também atuava no navio, foi assediada na embarcação, como forma de constrangimento e humilhação. “Os oficiais davam em cima das nossas esposas. Caso fôssemos advertidos por reclamação, eles realizavam deduções nos salários”, aborda.
Além de Matsuura, outra profissional da embarcação relata ter sofrido assédio moral. Atuando como camareira, a paulista Robert Inturn, de 27 anos, diz que mesmo trabalhando até 18 horas seguidas, chegou a ser chamada de “preguiçosa e vagabunda”. “Não estamos aqui pelos 11 brasileiros que saíram do navio. Estamos aqui, expondo estes problemas, por todos que permanecem lá”, defendeu. (G1/BA).