O tradicional Dicionário Oxford não conseguiu escolher a palavra do ano. Entre “coronavírus”, lockdown e “reabertura”, e mais algumas que entraram na seleção final, os lexicógrafos decidiram ficar com todas. Um único termo não faria jus a um ano tão conturbado como foi 2020. Em praticamente todos os lugares do mundo, a rotina foi alterada e o modo de vida mudou. Algumas mudanças serão passageiras e outras talvez tenham vindo para ficar, mas só saberemos o que é o “novo normal” — outra expressão reverberada à exaustão — no decorrer da próxima década.
No fim de fevereiro, bastou a última escola de samba terminar o desfile para a crise já se apresentar na avenida: saíram mestre-sala e porta-bandeira, entraram álcool em gel e máscara — não de Carnavanaval, infelizmente. Antes utilizado quase que exclusivamente por profissionais da saúde, o acessório passou a ser exigido de todos os frequentadores de espaços públicos, inclusive sob pena de multa. Para quem está esperando pela vacina para se livrar dele, aconselha-se aguardar mais um pouco. Mesmo com a imunização, é possível que a recomendação de uso persista por um bom tempo. À parte o exagero da comparação, a gripe espanhola, que eclodiu em 1918, só desapareceu três anos depois — sem vacina, é verdade.
Na sequência dos acontecimentos, países começaram a levantar barreiras em portos e aeroportos como forma de evitar a propagação da Covid-19. Os aviões, no entanto, logo voltaram aos céus com novas regras de viagem. Além de exigir máscara, as companhias implementaram protocolos de segurança, como medição de temperatura e exigência de atestados médicos, além de higienização reforçada de aeronaves. Essas medidas devem ser mantidas no decorrer de 2021. Quanto aos cruzeiros marítimos, é melhor não contar com eles antes do verão de 2022.
Mal o ano letivo havia começado, e as escolas e universidades foram forçadas a paralisar as aulas. Algumas retomaram depois, outras não, e muitas adotaram o ensino a distância, principalmente as particulares.
Durante o período de fechamento dos cinemas, que só voltaram em outubro, muitos lançamentos foram postergados (007 — Sem Tempo para Morrer foi adiado duas vezes) e outros estrearam diretamente no streaming. Novidade mesmo foi a força que ganharam plataformas como Netflix, Amazon e a recém-lançada Disney+. Enquanto o futuro das salas de exibição é incerto, o de uma cinemateca própria dentro de casa é promissor.
Shows e concertos também tiveram de ser cancelados. No lugar, foram realizadas centenas de lives de artistas ao longo do ano,
O esporte foi outra atividade que levou caneladas do coronavírus. A fim de evitar aglomerações, torcedores das mais diversas modalidades não puderam assistir aos jogos de seus times nos estádios. Os campeonatos de futebol acabaram eventualmente voltando no Brasil e na Europa, mas o público foi mantido em casa, o que garantiu maior audiência para os canais esportivos por assinatura.
O ano de 2020 chega ao fim e uma outra palavra poderia ser escolhida por Oxford para emoldurá-lo: “desigualdade”. A crise escancarou a diferença abissal entre os que podiam ficar em casa e pedir entrega de comida e aqueles que, sem o auxílio emergencial do governo, nem mesmo sobreviveriam. Espera-se que, em 2021, a qualidade de vida de todas as pessoas melhore. Isso sim seria um aceitável novo normal.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020 *