O delegado Carlos Alberto da Cunha, que é de Santos, no litoral paulista, confessou publicamente que encenou o vídeo do flagrante de um sequestro em uma comunidade da capital paulista, em julho do ano passado . Ao g1, o delegado afirmou que encenação trata-se de uma reconstituição prevista em lei. Da Cunha foi afastado das ruas, em julho, após declarar publicamente que “há ratos na Polícia”. Logo depois, ele pediu licença de dois anos da Polícia Civil.
O flagrante citado por ele aconteceu na comunidade Nhocuné. Os policiais descobriram que um homem que era mantido refém no chamado tribunal do crime, na mira de criminosos ligados à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
No entanto, após o real flagrante, Da Cunha colocou a vítima de volta no cativeiro e ‘encenou’ a ação policial que havia acabado de acontecer. Desta vez, ele filmou as cenas para publicar em seu canal no Youtube, que atualmente conta com 3,6 milhões de seguidores.
A gravação foi publicada e distribuída a diversos veículos de comunicação, como se fosse a verdadeira operação que, na verdade, não foi feita por ele. A descoberta da encenação aconteceu após depoimentos de policiais envolvidos na operação e outras testemunhas ao Ministério Público, durante uma investigação sobre a conduta do delegado.
Nesta quarta-feira (22), em transmissão ao vivo do podcast dele no Youtube, Da Cunha assumiu a encenação do flagrante e se defendeu dizendo que se tratava de uma reprodução simulada dos fatos.
“Essa prova é produzida pelo delegado de polícia. Então, assim, foi uma decisão minha no momento. A ‘cana’ [prisão] foi dada e eu quis novamente registrar a cana. Isso acontece muito em inquéritos de homicídios”, disse.
“Então, o que eu queria e nós queríamos era que a população entendesse o que é um tribunal do crime […]. A gente chegou lá e estourou o barraco, salvando a vida dele sim. É só perguntar para a vítima”, finalizou.
Reprodução simulada
Por telefone, em entrevista ao g1, o delegado Da Cunha afirmou que o vídeo tratou-se de uma reprodução simulada do crime para produzir provas que ele, como autoridade, teria poder para autorizar. Ele cita o Art. 7º do Código de Processo Penal:
“Art. 7º – Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”.
Da Cunha explicou que o flagrante foi feito por outra equipe enquanto uma operação era realizada na comunidade e, por isso, não havia sido gravada na primeira vez. Segundo ele, o tribunal do crime era investigado há meses, mas os policiais ainda não haviam conseguido interromper um julgamento em andamento. “Olhei aquele circo armado e pensei: ‘meu, isso aqui é um negócio muito forte. Eu preciso registrar'”, contou.
O delegado também disse que teve a autorização da vítima. Segundo ele, ela permitiu ser recolocada no cativeiro com os criminosos e aguardar pela nova entrada dos policiais. Da Cunha disse, ainda, que não houve perigo à vítima, já que a comunidade “estava dominada”.
O g1 solicitou um posicionamento acerca da simulação da ação policial à Secretaria de Segurança Pública (SSP) que, até a publicação da matéria, não houve retorno.