ALUNO DE ESCOLA REPROVADA PELO MEC, BAIANO É OURO EM OLIMPÍADA DE MATEMÁTICA

Em Sítio do Mato, a 800 quilômetros de Salvador, o estudante Felipe Vieira Costa, 13 anos, já conquistou três medalhas — uma de bronze e duas de ouro — na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Ele ficou em 33º lugar, entre cinco milhões de inscritos das séries finais do ensino fundamental, na edição 2012 — os 200 melhores ganham ouro.

O bom desempenho de Felipe contrasta com o da Escola Municipal Professor Avelino Nunes Rodrigues, onde estuda. Ela ocupa a posição 29.204, entre 30.842 estabelecimentos públicos, no mais recente ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb 2011), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro.


Na paraibana Pombal, a 370 quilômetros da capital João Pessoa, a estudante Patrícia Vieira de Queiroga, de 16 anos, foi uma das 20 medalhistas de ouro na última Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro — que teve 3,2 milhões de participantes em todo o país. Ela venceu na categoria Artigo de Opinião.


Filha de um pedreiro analfabeto que só sabe assinar o próprio nome, Patrícia é aluna da Escola Estadual Monsenhor Vicente Freitas, que aparece na colocação 8.075, entre 10.076 colégios, no ranking de provas objetivas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2011).


O diretor-adjunto do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Claudio Landim, diz que a baixa qualidade do ensino brasileiro não estimula, e é insensível a mentes brilhantes. — ê evidente. Isso está acontecendo todo ano. “Há muitos alunos brasileiros talentosos que não estão tendo a oportunidade de desenvolver suas aptidões”, diz Landim, que é o coordenador-geral da Obmep.


Em Sítio do Mato, Quirino Sousa Costa, pai do medalhista Felipe, diz que o filho sempre teve habilidade com números e consegue superar as deficiências do ensino público na cidade. Em 2011, a escola onde Felipe estuda obteve seu melhor resultado no Ideb: 2,4.


Abaixo, portanto, das médias gerais nacional (4,1) e baiana (3,3). “Ele aprende com facilidade, faz cálculos de cabeça, fora do normal. Se a gente levar em consideração a escola, a bagunça, acho que é um dom”, afirma Quirino.


Aos 37 anos, o pai conta que voltou para Sítio do Mato em 2008, depois de tentar a sorte na cidade de São Paulo, por mais de uma década. Foi na capital paulista que Felipe nasceu e estudou até a 3ª série, enquanto o pai trabalhava como vigilante, e a mãe — uma ex-professora primária —, como atendente de “call center”.


“Meus primeiros brinquedos foram um dicionário e uma calculadora. Fui para a escola sabendo ler e escrever”, conta o garoto. Ele fala em cursar Engenharia na universidade, de preferência na Noruega, com bolsa do programa Ciência sem Fronteiras: o primeiro no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano.


O êxito acadêmico de Felipe mobiliza a família. Quirino conta que uma tia que trabalhou como empregada doméstica em São Paulo chegou a enviar livros didáticos usados pelos filhos do patrão numa escola particular. Em 27 de agosto do ano passado, a presidente Dilma Rousseff compareceu à premiação da Obmep de 2011 — nessa, Felipe também foi medalhista de ouro. Quirino lamenta não ter acompanhado o filho na cerimônia, no Teatro Municipal do Rio.


Diz que faltou dinheiro. O garoto e outros vencedores tiraram fotos com Dilma. Felipe não conseguiu posar sozinho ao lado da presidente, mas deu um jeito: editou a imagem. “Pedimos para cortar e ampliar, para colocarmos na sala”, explica.


A foto de Felipe e Dilma está num porta-retrato. Em Pombal, o artigo que garantiu a vitória de Patrícia, na Olimpíada de Língua Portuguesa, trata da derrubada da chaminé de uma antiga fábrica, motivo de acirrada polêmica na cidade. “Foi incrível. Sempre gostei muito de ler, só que não tinha o hábito de escrever. Desenvolvi durante as aulas. A professora focou bastante nas olimpíadas. Pode parecer clichê, mas só escreve bem quem lê. Eu indico isso: leitura acima de tudo. Meu pai está muito orgulhoso”, diz Patrícia.


Antes de ser transferida para a Escola Monsenhor Vicente Freitas, ela foi aluna de outro colégio estadual no município, o João da Mata. A ex-escola não está listada no mais recente ranking do Enem. Mas o desempenho de suas turmas de ensino fundamental, no Ideb, dá uma ideia das dificuldades que o ex-colégio de Patrícia enfrenta.


Em 2011, o João da Mata teve Ideb 2,3 nas séries finais do fundamental, resultado que o deixou na posição 29.581, num universo de 30.842 estabelecimentos públicos no país. Patrícia terminará o ensino médio este ano. Ela quer ser médica: “É um curso muito concorrido. Pelo menos na redação, eu me garanto”.

Agência Globo