Casos de doença transmitida por gato crescem na Bahia; saiba como identificar

A protetora de animais Ana Nery Teixeira, 43 anos, chegou a ter 170 gatos em casa, em 2015. Ela, que mora em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), sacrificou mais da metade deles, porque estavam infectados e debilitados por esporotricose.

A doença, transmitida pelo fungo Sporothrix, encontrado principalmente em solos e folhagens, é uma micose que atinge bichos e pessoas. Os sintomas são feridas que, se não forem cuidadas, podem evoluir e, em alguns raros casos, levar à morte. 

Segundo o Grupo de Apoio e Proteção ao Animal de Rua (Gapar), de 2015 até o ano passado foram registrados mais de mil casos em gatos e humanos, em Camaçari – os dados incluem também felinos mortos. 

“Temos a informação que duas pessoas morreram e os óbitos não foram registrados como esporotricose”, explicou Natália Vieira, 32, uma das fundadoras do Gapar.

Oficialmente, a Secretaria Municipal de Saúde de Camaçari notificou, de 2015 até 23 de janeiro deste ano, 247 casos da doença em humanos – 171 em 2018 e seis neste mês, sem morte de pessoas.

Contrariando especialistas, a secretaria afirmou que a doença não é uma zoonose e que, por isso, não contabiliza os animais infectados. A doença foi registrada nos bairros de Gravatá, Nova Vitória, Novo Horizonte, Limoeiro, Parque Verde, Bomba, Poch, Lama Preta e Parque das Mangabas. O bairro camaçariense com mais pessoas afetadas foi o Parque das Mangabas, com 63 casos (25,5%). 

Doença provoca feridas na pele (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Transmissão
Mas, como é que pega essa doença? De acordo com a doutora em veterinária e professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Nadia Rossi de Almeida, a transmissão para humanos acontece através das arranhões e mordidas de bichos e, por isso, é comum atingir mãos de adultos e rostos de crianças.

Ela, que monitora a doença, diz ainda que, embora raro, a esporotricose também atinge cães e ratos – a carga de fungo contudo é maior em gatos. 

Foi assim que Ana Nery foi contaminada. “Em 2015 peguei um gato ferido. Ele arranhou e contaminou outros gatos, que precisaram ser sacrificados”, lamentou ela, também vítima da doença.

Ela tem manchas pelo corpo, mas isso é o menor dos problemas. “Fui ao médico e descobri que o fungo está no pulmão”, contou.

Diagnóstico
A veterinária Ilka Gonçalves já atendeu pacientes contaminados em Salvador, Camaçari, Candeias e na Chapada Diamantina. Ela alerta que os gatos, assim como os humanos, são vítimas e precisam de tratamento.

“Os animais são muito negligenciados. Muita gente não tem dinheiro, não sabe lidar com a situação ou fica com medo de pegar a doença, aí abandona ou sacrifica. Se tem tratamento e cura, não tem porque eutanasiar. É uma vida”, reclamou.

Ela alertou ainda para os diagnósticos incorretos. “Nos cães, a esporotricose pode ser confundida com leishmaniose. Por isso, é importante fazer biópsia e exames adequados”, disse.

Vale lembrar que os bichos que morrem por causa da esporotricose devem ser cremados – não podem ser enterrados porque o solo é um local fértil para os fungos. 

Como tratar?
O tratamento do fungo só é possível com uso de remédios, o que dificulta o controle em animais de rua. A recomendação dos especialistas é que, quando a população encontrar um bicho ferido, avise à central de zoonoses – não toque no animal. 

A doutora em infectologia e professora da Unime, Nilse Querino, contou que, nos humanos, a medicação costuma ser usada por até quatro semanas depois da cicatrização. Nos animais, há uso de remédios por até 60 dias após a ferida sumir.

O problema é que uma caixa com 30 comprimidos de Itroconazol, um dos remédios usados para o tratamento, pode custar R$ 220 – A doença pode ser tratada com Fluconazol e Terbinafina. Sem ter como arcar com esse custo, Douglas Souza, 15, foi com a mãe dele, Gilvânia Barreto, 42, à Secretaria de Saúde de Camaçari para receber a medicação. “Viemos aqui outras vezes, mas estava em falta”, disse a mãe.

Segundo ela, Douglas foi mordido pelo gato de estimação em junho do ano passado. “Quinze dias depois surgiram as bolhas, seguidas de feridas na mão esquerda. Levei ele ao posto médico e, três meses depois, a médica suspendeu o tratamento dizendo que ele estava curado”, contou ela.

No entanto, esta é a segunda vez que a doença se manifesta.

“Em novembro, as feridas voltaram. A médica havia suspendido o tratamento sem fazer qualquer tipo de exame. Um absurdo”, reclamou.

Apesar de ser uma doença pouco monitorada, os especialistas apontam que, pelo menos em Salvador e Lauro de Freitas já há garantia da notificação compulsória da doença. Com isso, as secretarias de saúde são informadas sobre o aparecimento desses casos, o que possibilita o monitoramento dos infectados. 

Douglas ainda não conseguiu  medicação para tratar doença (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)