Os relatos são inúmeros e acontecem, pelo menos, em uma em cada três delas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Dois destes casos de violência contra a mulher chamaram a atenção nesta terça-feira, quando vieram a tona, por se incluírem no rol das mais de 3.195 ocorrências registradas pela Polícia Civil até junho deste ano.
Em Itabela, cidade que fica distante 700 km de Salvador, no Sul baiano, Orlando Pereira dos Santos é suspeito de ter incendiado a casa onde a ex-mulher estava morando e que pertencia ao pai dela. Eles estavam separados há três meses e ele não aceitava o fim do relacionamento. Por sorte, no momento do ocorrido, não havia ninguém no local.
Já em Teixeira de Freitas, no Extremo Sul, um caso ainda mais bárbaro. A jovem Marília Gomes de Souza, de 21 anos, foi morta pelo ex-companheiro, Emanuel Ferreira dos Santos, de 32, quando estava em um ponto de ônibus a golpes de canivete. Detalhe: no momento do ocorrido, ela estava com o filho do casal, de três anos, no braço. Marília e Emanuel estavam separados há apenas sete dias. Ele foi preso em flagrante e levado para a 8ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin). A jovem foi enterrada na última segunda-feira enquanto Emanuel aguardava decisão judicial.
De acordo com a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), localizada em Brotas, Heleneci Nascimento, em comparação com o mesmo período do ano passado, o número de ocorrências registradas de violência contra a mulher aumentou 8% no primeiro semestre.
“A violência sempre existiu, essa é que é a verdade. Mas as mulheres nem tinham tanto conhecimento e acesso aos meios de comunicação para denunciar. Mas, hoje em dia, elas têm buscado e sabendo onde buscar atendimento, pois a mulher está sendo mais cuidadosa e, mais empoderada, teme pela vida dela. Se ela ficar calada, em silêncio, a coisa pode transcorrer de forma mais agressiva. O quanto antes ela buscar ajuda, melhor. Não existe justificativa para essa agressão”, pontuou.
O número de casos poderia ser ainda maior não fosse o fato de muitas mulheres ainda terem a mentalidade de que podem mudar o parceiro. “Eu estava em uma situação no HGE, no qual a mulher perdeu o movimento do braço após uma discussão com o marido. Ela me disse que já estava conversando com ele e que ele não faria mais aquilo. Ela ainda comentou que, na verdade, a culpa era dela, por que foi brigar com ele pelo fato de ainda estar na rua”, explicou a delegada.
Mais de 2.500 medidas protetivas emitidas este ano
Conforme Heleneci Nascimento, as mulheres da classe média baixa são as que mais procuram a Delegacia para registrar a queixa. Já as das classes mais altas só buscam procurar ajuda especializada quando as agressões são mais profundas. Mas, na maioria das situações, muitas preferem não se expor. “Existe a questão, sim, da dependência financeira, mas, mais do que isso, existe a dependência emocional. Elas vivem em um relacionamento abusivo que, quando elas conseguem sair, os companheiros fazem com que elas tenham uma autoestima muito baixa”, pontuou a delegada.
Já para aquelas que conseguiram romper a barreira do medo e realizar a denúncia, as medidas protetivas – entre elas, de acordo com a Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima –, são um caminho para evitar que novas tragédias aconteçam. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública, mais de 2.500 providências deste tipo foram tomadas este ano na Bahia. Em 2017, esse número foi superior a 3.200.
“Quando uma mulher nos procura, em um primeiro momento, e não está em situação de flagrante, nós temos aqui na Deam uma equipe multidisciplinar composta de psicólogos e assistentes sociais, para deixá-la mais tranquila, pois é difícil alguém registrar um boletim de ocorrência contra o pai dos filhos ou alguém que se ama. A partir daí, ela vai para uma delegada de polícia que vai colher todas as declarações e relatos de testemunhas e depois ter direito a uma medida protetiva, que é uma garantia da própria vida”, explicou a delegada titular da Deam. Além da de Brotas, existem outras 14 delegacias especializadas em Salvador e no interior do estado em cidades como Feira de Santana, Itabuna, Vitória da Conquista e Juazeiro.
Já em casos mais extremos, quando o companheiro descumpre a medida judicial, um novo dispositivo incluído na Lei Maria da Penha aponta que ele pode ser autuado em flagrante, sem fiança, tendo de a situação ser apreciada pelo Poder Judiciário. “É uma ferramenta eficaz. Mas muitas mulheres, mesmo de posse da medida protetiva, precisam sinalizar o risco, pois a gente só vai poder agir nesses casos quando for provocado, tendo conhecimento desses fatos”, afirmou Heleneci.
Rondas
Outro fator que tem contribuído no combate a violência contra a mulher é a atuação da Polícia Militar com a Ronda Maria da Penha (RMP), criada em 2015 e comandada atualmente pela Major da PM, Denice Santiago. A ronda prevê cooperação mútua entre os órgãos envolvidos para promover, entre outros, a capacitação de policiais militares que executarão a ronda, além da qualificação dos serviços de atendimento, apoio e orientação nas ocorrências policiais envolvendo mulheres vítimas de violência doméstica, e garantir o cumprimento das Medidas Protetivas de Urgência.
Iniciado no Subúrbio Ferroviário, local com o maior número de vítimas de violência doméstica da cidade, a RMP já conta com a atuação de cerca de 60 profissionais qualificados, que fizeram parte das três turmas que concluíram a capacitação em 2015. Atualmente, a RMP conta com sua própria sede no Distrito Integrado de Segurança Pública (DISEP), no bairro de Periperi, em Salvador.
Além disso, a Ronda já chegou aos municípios do interior da Bahia como Juazeiro, Paulo Afonso e Feira de Santana. Também participou de grandes eventos, como o Carnaval da Bahia, e a Micareta de Feira de Santana. Nesta terça, foi inaugurada a 11ª unidade da RMS, na cidade de Lauro de Freitas. Ela vai funcionar na Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres (SPM), em Vilas do Atlântico.v