Estiagem matou 1 milhão de animais

O destino, Graciliano Ramos já escrevera em Vidas Secas (1938): “a catinga amarelecera, avermelhara-se, o gado principiara a emagrecer e horríveis visões de pesadelo tinham agitado o sono das pessoas”.

Mas nem sempre é fácil aceitar o destino – especialmente porque a vaca Rainha fora um presente. Seu Lourival da Silva Oliveira, 52 anos, ganhou o animal de uma senhora para quem prestava todo tipo de serviço da roça, no povoado de Morrinhos, no distrito de Jaguara, em Feira de Santana. Em dois anos, porém, a figura de Rainha mudou bastante: emagreceu e os pelos que, um dia, foram preto lustroso, já não têm mais o mesmo brilho.

A seca em Morrinhos não livra ninguém; nem mesmo Rainha. Em uma quarta-feira de dezembro, o agricultor Lourival, que prefere ser chamado de Chico, despertou com a notícia de que a vaca estava presa na lama. Com sede, na noite do dia anterior, Rainha foi em busca de água em um declive que, em outra época, já foi cheio. Hoje, o nível da água não chega nem a um terço da altura do buraco, ainda misturado à lama e alguns vestígios de capim que cresceram no ambiente menos hostil. Rainha desceu para buscar a água e não voltou mais. Estava lá, atolada, desde então.

Chico tentava ajudar, mas com um gesso e um braço fraturado prestes a passar por cirurgia após a queda de um cavalo, era sempre afastado pelos demais. No momento que caiu, estava indo trabalhar numa fazenda da região, onde cuida do gado.

Impossibilitado de trabalhar e de ajudar muito no resgate de Rainha, o agricultor encara o buraco com desgosto. “Tem três anos que (o declive) não enche (de água). A seca está braba. A gente alimenta o gado com mandacaru. Tem palma por aqui, mas mandacaru tem mais. Palma é mais (comum) para os mais graúdos (mais abastados)”, diz. No caso dele, o gado se resume a dois animais: Rainha e seu filhote, um bezerro nascido há poucas semanas.