Maioria dos casos estava em Salvador e Feira de Santana
Na Bahia, em 2022, 246 casos de transtornos mentais relacionados ao trabalho foram notificados ao Ministério da Saúde. No ano seguinte, esse número subiu para 432, um aumento de 75,6% nas notificações.
Em 2022, os maiores números de casos estavam concentrados nas cidades de Feira de Santana (62), Salvador (36) e Vitória da Conquista (23). As ocupações mais afetadas foram gerente administrativo (19), detetive particular (16) e costureiro na confecção em série (9).
A maioria dos profissionais apresentou transtornos relacionados ao estresse, ansiedade e sintomas físicos sem uma causa médica clara (122); transtornos de humor [afetivos] (51); e burnout (20).
Já em 2023, as cidades que lideraram esse ranking foram Salvador (190), Vitória da Conquista (45) e Feira de Santana (44). Naquele ano, a ocupação de detetive particular teve o maior número de notificações (48), seguido por administrador (37) e auxiliar de escritório em geral (35).
Os principais diagnósticos que chegaram a pasta federal também foram os transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatização (196); transtornos do humor [afetivos]; e burnout (52).
Carol Figueira, psiquiatra especializado em saúde ocupacional, explica que os transtornos mentais relacionados ao trabalho são aqueles que podem resultar de fatores relacionados à organização do trabalho, como sobrecarga e estrutura hierárquica que coloca, muitas vezes, o colaborador no papel de oprimido.
“São vários os motivos que levam o trabalhador a desenvolver problemas de saúde mental ocupacionais. Exigências de alta performance, excessivas cargas horárias e até a própria autocobrança podem ser fatores que contribuem para isso”, comenta.
A técnica em enfermagem Clara Silva*, de 42 anos, sofreu burnout no ano passado. Àquela época, ela trabalhava em dois hospitais particulares. A rotina cansativas do dia-a-dia e dos eventuais plantões somou-se a problemas financeiros e conjugais.
“Eu tinha muitas complicações digestivas, sobretudo quando lembra dos problemas que eu estava passando. Também sentia muita fadiga e muitas dores de cabeça, até o dia que tive um desmaio durante um dos plantões”, comentou.
A incapacidade temporária para o trabalho foi atestada por um médico psiquiatra e técnica de enfermagem ficou afastada durante uma semana das suas funções nos dois empregos. Hoje, ela rompeu o casamento, porém, continua em dois hospitais.
A Lei 14.831, que entrou em vigor em março deste ano, busca reconhecer empresas que adotam práticas de promoção da saúde mental e bem-estar dos colaboradores. Trata-se de uma honraria a ser dada pelo governo federal a empresas que adotem critérios de promoção da saúde mental e do bem-estar de seus colaboradores.
Dentre as boas práticas a serem adotadas pelas empresas estão a oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores; incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer; e divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa.
Na avaliação de Ticiana Paiva, psicóloga e doutora em psicologia pela PUC-Campinas, uma vez que saúde mental se caracteriza como o resultado da ação de inúmeros fatores de diferentes naturezas, não se deve procurar culpados, mas sim favorecer uma postura mais colaborativa, em que cada pessoa e segmento social pode atuar e fazer a diferença.
“Além de questões como a falta de políticas públicas e uma rede de saúde sucateada, há, ainda, aspectos estruturais e culturais da sociedade que resultam em, por exemplo, escolas sem atuar na prevenção e empresas com pouca visão de cuidado. Precisamos entender como os diversos segmentos da sociedade podem contribuir e ajudar para termos uma realidade diferente quanto aos adoecimentos.
“Em vez de culpabilizar alguém, precisamos compreender que todos nós podemos atuar de forma efetiva na questão da saúde mental. Como falamos de multifatorialidade, isto é, de inúmeros fatores envolvidos, não há culpados específicos”, sinaliza Paiva.
Ela considera que, psicológica e emocionalmente, o trabalho é parte da vida e um dos pilares fundamentais do ser humano, o que evidencia sua íntima ligação a aspectos de realização pessoal e sentido de vida. A psicologa pontua ainda que é importante que as empresas entendam e assumam suas responsabilidades e deveres a partir de necessidades personalizadas.
“Precisamos ter clareza de que é possível que os locais de trabalho sejam lugares menos tóxicos e mais inclusivos, mas, também, que as empresas assumam essa responsabilidade com a consciência da individualidade de cada colaborador e de suas necessidades. Só assim será possível contribuir para uma melhor gestão dos times e, consequentemente, do bem-estar das pessoas”, complementa.
Iniciativas para as empresas, por Ticiana Paiva
Programas de apoio psicológico: oferecer acesso a serviços de terapia de qualidade. Isso ajuda os colaboradores a lidarem com estresse, ansiedade e outras questões emocionais.
Flexibilidade no trabalho: implementar políticas de trabalho flexível, como horários ajustáveis ou a opção de trabalho remoto. Isso permite que os colaboradores equilibrem melhor suas responsabilidades pessoais e profissionais, reduzindo o estresse.
Treinamentos e workshops: promover treinamentos sobre gestão do estresse e temas como habilidades de comunicação e até mesmo assuntos mais lúdicos de interesse das pessoas, como dicas de viagens e de desenvolvimento pessoal. Essas atividades ajudam os colaboradores a criarem ferramentas para lidar com desafios emocionais e melhorarem seu bem-estar.
Ambiente de trabalho positivo: criar uma cultura organizacional que valorize a inclusão, o respeito e a colaboração. Um ambiente de trabalho positivo pode aumentar a satisfação e a motivação dos funcionários, diminuindo a incidência de problemas de saúde mental.