Idosa enfrenta preconceito e consegue diploma de pedagogia aos 76 anos

“Eu sonhei e deu certo. Sonhei e fui sonhando, fui sonhando até que chegou o dia”. Essas são as palavras de Maria Clara de Santana, ou somente Dona Maria. Esse sonho ao qual ela se refere tem nome: conhecimento. O amor pela sala de aula, seja na carteira do aluno ou na mesa da professora, levou Dona Maria muito longe. Aos 76 anos, já com 11 filhos, 19 netos e 2 bisnetos, ela conquistou o diploma universitário e se tornou pedagoga. A formatura aconteceu em agosto deste ano e ela não pretende parar por aí.

A jornada até o dia da formatura não foi nada fácil. “Às vezes uma pessoa me dizia: ‘Mulher, deixa isso para lá, vai procurar o que fazer!’. Aí, eu respondia: ‘Vá procurar o que fazer você, que eu aqui já procurei’”, conta Dona Maria. Além dos olhares e das falas maldosas na rua, ela também teve que enfrentar o preconceito vindo de alguns parentes e até do marido dentro de casa, o agricultor Antônio Xandu, que lhe rendeu o apelido também de Maria de Xandu. “Era uma confusão. Eu deixava o café pronto, tudo arrumado e saía. Com o tempo ele foi se acostumando. Mas foi um sofrimento para mim”, relembra.

Uma das filhas, a advogada Luciane Santana, 46, reforça os obstáculos que a mãe teve que vencer e diz que Dona Maria lutou não somente pela própria educação, mas também pela dos filhos. “Eu tenho muito orgulho dela, fico emocionada com as conquistas. Essa mulher sofreu muito. Meu pai era muito machista, não deixava ela fazer nada, limitava as saídas dela. Os filhos homens tinham bicicleta e as meninas não. Ela lutou muito, se aproximou da escola para ajudar os filhos a não desistirem de estudar porque ele mesmo não queria que a gente frequentasse a sala de aula”, afirma Luciane. 

E foi justamente o casamento, as tarefas domésticas e o cuidado com os 11 filhos que afastaram dona Maria dos estudos. Ela conta que fugiu de casa e abandonou a escola em Ribeira do Amparo, onde nasceu, quando se casou, aos 21 anos, deixando o Primário (atual Ensino Fundamental I) pela metade. “É que na minha época era diferente. Entrei na escola com uns 8 anos e era roça. Não tinha carro, não tinha professora direito, então nem sempre tinha aula”, explica.

Dona Maria se afastou da sala de aula, mas o sonho de concluir os estudos nunca se afastou dela. “Era um filho atrás do outro, uma escadinha, então meu marido negociava comigo e eu ficava em casa cuidando dos meninos, mas sempre naquela vontade de completar meu primário”, diz ela. Quando a Educação de Jovens e Adultos chegou em Cipó, cidade onde mora, uma porta se abriu. 

Quando já tinha 40 anos, dona Maria cursou mais dois anos de primário, concluindo essa etapa. Era hora de buscar o ginásio (atual Ensino Fundamental II). “E eu não queria parar por ali. Cheguei em casa depois da festinha de conclusão e falei com meu marido. Ele me disse: “Rapaz, vá procurar o que fazer. Para quê fazer ginásio? Você já tem o primário. Quer o quê mais?”, conta.

Mas ela foi persistente. Quando foi matricular o filho, aproveitou o momento e fez também a sua própria matrícula. “Eu fui também para incentivar meu filho, mas ele não quis mais, arranjou uma namorada e me deixou na mão. Mas eu continuei lá”, diz, orgulhosa. Aos 50 anos, mais uma conquista: Dona Maria concluiu o ginásio. 

A próxima etapa foi o magistério (curso de nível médio para formar professores para a educação infantil). E logo ela foi trabalhar. Primeiro, surgiu uma vaga numa creche perto de sua casa, mas ela não queria cuidar de crianças, isso ela já fazia em casa. “Era só para dar banho em criança, trocar fralda, pentear cabelo. E eu bati o pé que queria uma sala de aula e consegui. Me deram 30 alunos”, diz. 

Foram sete anos como professora da rede pública, até que a administração mudou e dona Maria preferiu se afastar. Ficou em casa bordando e costurando, mas a chama que a movia para correr atrás dos seus sonhos ainda não tinha se apagado. Cipó ganhou a sua primeira faculdade e Dona Maria não pensou duas vezes. Recebeu apoio de uma colega e da filha e se matriculou no período noturno. 

Durante quatro anos, de dia ela cuidava da casa e do marido, que passou a contar com a ajuda de uma cadeira de rodas. De noite, Dona Maria vestia a capa de estudante e ia encontrar os colegas na faculdade. Por diversas vezes, virou noites estudando. No meio do caminho, o marido acabou falecendo. Com apoio, persistência, talento e humildade para pedir ajuda, ela conseguiu realizar o sonho. 

“Era uma meta dela, talvez também uma forma de se sentir viva e se manter ativa porque é uma mulher com espírito jovem, à frente do seu tempo. Meu pai faleceu e ela ficou muito doente também durante um período, foi até hospitalizada, e tudo que ela pensava era que precisava terminar o curso”, conta a professora Maria Conceição Santana, 40 anos, filha de dona Maria. 

A coordenadora do curso de pedagogia, Iracema das Neves, 43 anos, é só elogios para a aluna. “Ela sempre foi muito comprometida com os estudos. É uma inspiração para todo mundo aqui, um presente em nossas vidas. Muita gente a desafiou, criticou, duvidou, e isso acabou sendo um estímulo para ela”, diz. 

Na festa de formatura, finalmente, só tinha espaço para a alegria. As comemorações pararam a cidade. “Só deu eu. Falei, cantei, fui oradora. Achei que iam mangar de mim, mas eu fui a estrela! Eu fiquei tão bonita. Já com 76 anos, mas fiquei parecendo que tinha a idade de minhas filhas”, diz Maria, rindo. Quando questionada sobre os planos para o futuro, ela responde, sem demora: “Quero trabalhar no ano que vem, mas só com ensino presencial. E se tiver pós-graduação, eu ainda vou lá!”.