Candidato ganha acesso à correção detalhada da redação no Enem

direito de revisão na Justiça
Foto: Arquivo pessoal/Fernando Rodrigues

Em uma decisão inédita, um estudante de direito de Itapevi (SP) conseguiu acessar a correção detalhada de sua prova de redação das edições de 2014 e 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Até então, além da nota final da prova, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgava apenas a vista pedagógica da redação e as notas em cada competência.
Mas, depois de uma decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de 8 de junho, acatada pelo Inep, o aluno conseguiu ver as notas recebidas por todos os corretores.
Fernando Rodrigues, de 28 anos, fez as provas do Enem em 2013 e 2014 e, depois de receber a nota da última edição, decidiu solicitar ao Inep o acesso às notas que ele recebeu de cada corretor da prova. Ele usou o telefone de atendimento aos estudantes, mantido pelo MEC, mas recebeu resposta negativa.
“Como conheço um pouco de direito, sabia que existia a Lei de Acesso à Informação (LAI), então decidi pedir por lá”, afirmou ele, em entrevista ao G1.


Segundo a CGU, essa foi a primeira vez que um parecer é favorável à divulgação detalhada da correção da prova de redação do Enem via Lei de Acesso à Informação.
“É pacifico na CGU o entendimento que o candidato em concurso, vestibular ou qualquer seleção pública tem direito a acesso aos seus documentos e correções que envolveram o certame, que estejam em poder de uma instituição pública”, informou o órgão, em nota.
A CGU afirma também que, apesar de o edital do Enem não ter um artigo falando especificamente sobre a divulgação das correções detalhadas, isso não impede que um candidato possa solicitá-las, pois “a informação solicitada não se enquadra na classificação de informação sigilosa”.
A controladoria diz ainda que “qualquer candidato que prestou o Enem tem o direito de pedir o mesmo tipo de informação ao Inep, e este tem o dever de prestá-la”.
Em nota divulgada pelo Ministério da Educação, o Inep afirmou que “trata todas as questões da LAI de acordo com a legislação em vigor”.
Em 2012, o Ministério da Educação e o Ministério Público Federal (MPF) assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para garantir “o direito de vistas de provas de redação a todos os participantes, com fins pedagógicos”.

Rodrigues precisou abandonar o colégio particular, onde era bolsista, no segundo ano do ensino médio, por dificuldades financeiras. Ele fez o Enem em 2013 para conseguir o certificado de conclusão do ensino médio.
No ano seguinte, decidiu fazer a prova novamente para tentar uma bolsa de estudos do Programa Universidade para Todos (Prouni). Com média final de 616,94 pontos (e 660 na prova de redação), ele acabou sendo aprovado em um curso de direito em São Paulo no início do ano.
Mesmo assim, frustrado com a nota da redação, Rodrigues decidiu descobrir por que sua nota não foi tão alto quanto ele esperava.
“Olhando a redação de 2013, eu tirei 560, pensei que tinha alguma coisa errada. Esse ano eu tinha certeza que iria fazer algo melhor. Eu realmente me preparei. Então falei: ou a de 2013 está errada ou a desse ano está errada”, disse.

Meses de recursos
O primeiro pedido feito pelo jovem pela Lei de Acesso à Informação foi protocolado no dia 17 de janeiro. A resposta inicial do MEC chegou menos de dez dias depois, incluindo as regras da correção da redação dispostas no Guia do Participante do Enem.
Insatisfeito, Rodrigues entrou com um recurso e, dias depois, recebeu nova resposta. Dessa vez, o Inep afirmou que divulga apenas a vista pedagógica das redações porque “a carga e a disponibilização requer tempo e esforço para organização de um sistema que consiga sustentar tamanha demanda”. Disse ainda que a prioridade, no momento, era fornecer os resultados dos estudantes que queriam o Enem para conseguir o diploma do ensino médio, e que os corretores da redação passaram por vários treinamentos e foram “submetidos a pré-teste de avaliação da capacidade de proceder à correção de acordo com o padrão estabelecido pela banca examinadora”.
O candidato decidiu, então, entrar com novo recurso, para a autoridade máxima prevista na legislação. A resposta do Inep, dada pelo presidente da autarquia, Francisco Soares, então afirmou que “a vista das redações do Enem possui finalidade pedagógica e que os processos que ensejam a informação relativa à nota da redação não é disponibilizada aos participantes”.
“Apesar de a informação solicitada não estar disponível em transparência ativa, qualquer candidato que prestou o Enem tem o direito de pedir o mesmo tipo de informação ao Inep, e este tem o dever de prestá-la”, diz a CGU

Recurso à CGU
Ainda determinado a usar todos os recursos administrativos possível, Rodrigues então enviou um recurso diretamente à CGU, no dia 4 de fevereiro. Em 6 de março, a CGU informou que solicitou informações ao Inep e, como a autarquia do Ministério da Educação afirmou que a vista pedagógica não incluía os detalhes sobre as avaliações feitas pelos corretores individualmente, a controladoria decidiu aceitar o recurso do jovem.
“Apesar de a informação solicitada não estar disponível em transparência ativa, qualquer candidato que prestou o Enem tem o direito de pedir o mesmo tipo de informação ao Inep, e este tem o dever de prestá-la”, afirma o parecer.
De acordo com a assessoria de imprensa da CGU, houve outro caso de pedido de acesso à nota do Enem encaminhado ao órgão, mas o candidato havia solicitado antecipadamente o acesso à prova. “Neste caso, como o resultado não tinha sido divulgado a todos, o mesmo foi desprovido por ferir o princípio da isonomia”, diz a CGU.
O órgão de controle da União também afirmou, no parecer, que o Inep deve ter estrutura para “assegurar o cumprimento das normas relativas ao acesso à informação, de forma eficiente e adequada aos objetivos legais”.
Discrepâncias
Segundo o edital do Enem, todas as redações são corrigidas por dois avaliadores, mas, caso haja discrepâncias nestas notas, a prova é enviada a um terceiro corretor. Caso a divergência persista, uma banca de examinadores volta a corrigir o texto. O limite da discrepância é de 80 pontos entre as notas de cada corretor em cada uma das cinco competências, ou de 100 pontos na nota total.
No caso de Fernando, em 2013, a redação acabou indo parar nas mãos do terceiro corretor e, depois, da banca examinadora. A nota final foi 550. Já em 2014, as notas dos dois corretores tiveram discrepância de 80 pontos em duas competências (“demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários à construção da argumentação” e “elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos”). e, por isso, a nota final é uma média das duas notas individuais.
Apesar de discordar com a correção, já que ele considerou as discrepâncias muito grandes, o candidato afirma que não pretende entrar na Justiça para tentar submeter a prova a outra correção. “A ideia inicial foi apenas ter o acesso e que outros alunos também pudessem ter”, disse ele. (G1)